Número Errado
Apenas os pais de SILVIA/MAURÍCIO prestigiavam seu aniversário de 14 anos naquela noite. No alvoroço para cantar parabéns, a conturbada dinâmica familiar se revela e SILVIA/MAURÍCIO não esconde sua tristeza pelo momento que simboliza seu nascimento. O jovem é presenteado pelo seus pais com uma camisa de futebol, contudo, sem muita empolgação, revela a eles que é “o número errado”.
Anos depois, SILVIA/MAURÍCIO leva uma vida monótona e sem grandes emoções: janta lentamente, sozinho, em mais um aniversário. Uma carta atravessa por de baixo da porta. SILVIA/MAURÍCIO inclina-se com dificuldade para pegá-la, vê que está endereçada à Silvia e atira a carta no lixo. De volta à mesa, janta em silêncio em sua cozinha fria. O telefone toca, o papagaio se assusta e SILVIA/MAURÍCIO procura por toda casa – o telefone para de tocar e desiste da busca. À mesa, SILVIA/MAURÍCIO leva a colher à boca e o telefone volta a tocar. SILVIA/MAURÍCIO abre a geladeira e pega o telefone. Percebe que a ligação é para uma mulher chamada Silvia. Educadamente, informa ao operador de telemarketing que eles têm o número errado. O operador insiste, mas reitera o engano, após uma checagem de dados, SILVIA/MAURÍCIO se irrita e desliga. O telefone não para de tocar e cartas não param de entrar pela porta durante a madrugada. SILVIA/MAURÍCIO, após muito estresse e cansaço, se levanta da cama e atende à ligação aos gritos e joga o telefone contra a parede. Forma-se uma rachadura que emite uma fascinante luz cujo brilho invade o quarto e toma a curiosidade de SILVIA/MAURÍCIO que, desconcertado, encara seu reflexo no espelho. A campainha toca. SILVIA/MAURÍCIO se assusta e atende à porta com receio. Recebe uma caixa endereçada também à Silvia – olha para o lixo e coloca as correspondências junto da caixa em um canto de seu apartamento. A rachadura aumenta e a quantidade de luz também. SILVIA/MAURÍCIO se senta em frente ao seu notebook e começa a pesquisar pelo nome “Silvia”, mas encontra centenas delas. A rachadura em sua parede continua a aumentar. Navega pelas fotos dessas diversas mulheres com crescente curiosidade. Em frustração, fecha a tela de seu notebook com raiva e enxerga ao fundo todas as correspondências endereçadas à Silvia. SILVIA/MAURÍCIO está no chão da sala, rodeado por cartas abertas e com a caixa em sua frente. Uma das cartas em sua mão é o anúncio de um produto de beleza. SILVIA/MAURÍCIO se teletransporta para dentro do contexto daquelas cartas/anúncios que o circundam ludicamente. Sua expressão não é mais de abatimento, mas de fascinação. Um espelho aparece em sua frente e vê seu reflexo junto da caixa. Abre a caixa, a luz aumenta, os o espelho e os anúncios somem – está em sua sala rodeado pelas cartas. A rachadura está ainda maior. SILVIA/MAURÍCIO se depara com um lindo vestido. Ele cuidadosamente pega o vestido e o abraça, sentindo uma ligação profunda e inexplicável com ele. As paredes do apartamento, que já estavam rachadas, finalmente se rompem, liberando um clarão brilhante que inunda a tela.
SILVIA/MAURÍCIO, usando o vestido, está de costas em um ambiente inteiramente branco. O papagaio sobe em seu ombro. À sua frente, SILVIA/MAURÍCIO se vê mais jovem. O menino olha perdido, mas logo reconhece quem está em sua frente e sorri manifestando o mais sincero orgulho.